Brincadeiras antigas. Porque não brincar?


Brincadeiras antigas. Porque não brincar?
Por Carolina Araujo Lopes

Brincadeiras de rua: amarelinha, corrida, queimada, pique...fazem parte da lembrança de muitas pessoas, mas participam cada vez menos do dia-a-dia das crianças. 
Ultimamente as crianças têm menos contato com outras, brincam menos com os pais (com os adultos e crianças de maneira geral). Porque isso acontece?
Para essa pergunta pode-se encontrar inúmeras respostas. Mudanças no dia-a-dia das pessoas sempre ocorreram, porém, atualmente a mudança de costumes em relação à brincadeira está cada vez maior de uma geração para outra. Algumas coisas vêm contribuindo para essa mudança na sociedade, essa transformação no cotidiano das pessoas, como:

•  A violência, que a cada dia trás mais medo aos moradores das grandes cidades e, de certa forma, impede que as crianças brinquem na rua;
•  A correria cada vez maior e mais precoce para se preparar as crianças para o mercado de trabalho (cursos de inglês, espanhol, informática...);
•  A necessidade dos pais trabalharem mais para possibilitarem aos filhos uma vida melhor (e por isso não têm tempo de brincar com as crianças e quando têm, querem descansar);
•  O valor maior dado ao “Ter” do que ao “Ser”. Assim, mesmo que inconscientemente, os adultos de um modo geral pensam estar fazendo um bem maior à criança trabalhando muito para que ela possa “Ter” o brinquedo que quer e acaba não pensando que ela não tem com quem brincar;
•  A redução das famílias, que cada vez têm menos filhos e assim a criança fica ainda mais privada da relação cotidiana com outras crianças fora do ambiente escolar;
•  Tudo isso aliado às novas tecnologias que fazem os brinquedos mais diferentes e interessantes, mas que não sugerem (ou mesmo não possibilitam) o contato com outras pessoas (é apenas a criança e o jogo de computador ou vídeo-game, mais ninguém).

Essas transformações que vêm ocorrendo com a infância estão diretamente ligadas à transformação ocorrida nas famílias. O livro “Cultura Infantil, a construção corporativa da infância” diz que:



As noções tradicionais da infância como um tempo de inocência e de dependência do adulto foram minadas pelo acesso das crianças à cultura popular durante o século XX. Quando a infância começou a mudar, nos anos 50, 80% das crianças viviam em lares onde os pais biológicos eram casados um com o outro. Não é preciso dizer que as famílias mudaram durantes os últimos cinqüenta anos. Antes do final dos anos 80, o número de crianças que viviam com os dois pais biológicos caiu para meros 12%.

Também é importante lembrar que brincar faz parte do desenvolvimento da criança e que as brincadeiras oferecem diversão e entretenimento, além de ajudar no aprendizado. Além das “brincadeiras de rua”, as brincadeiras nas escolas muitas vezes também ficam prejudicadas por conta da preocupação cada vez mais cedo com o mercado de trabalho, pois “não se pode ‘perder tempo’ com coisas que não trazem resultados concretos”, foi o que ouvi uma vez em uma entrevista a uma professora de ensino fundamental. Ao contrário, acredito que os jogos e brinquedos estimulam a inteligência e ao mesmo tempo exercitam a concentração e atenção.
Através dessa atividade agradável a criança enfrenta suas tensões diárias, relaxa, ficando mais calma. A linguagem verbal torna-se fluente e ela aprende seus limites, respeitando-os.
 Algo que acredito estar se perdendo um pouco também é a brincadeira tradicional infantil (aquela que é filiada ao folclore). Normalmente ela incorpora a mentalidade popular e se expressa, sobretudo, pela oralidade, o passar de geração em geração.
Considerada como parte da cultura popular, essa brincadeira guarda a vida de um povo em certo período histórico. Essa cultura não-oficial, está sempre em transformação, incorporando criações anônimas das gerações que vão se sucedendo. Por ser um elemento folclórico, a brincadeira tradicional infantil assume características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade. Não se conhece a origem da amarelinha ou do pião. Seus criadores são anônimos. Sabe-se, apenas, que provêm de práticas abandonadas por adultos, de fragmentos de romances, poesias, mitos e rituais religiosos. 



A cultura popular, a brincadeira tradicional tem a função de perpetuar a cultura infantil, desenvolver formas de convivência social e permitir o prazer de brincar. Por pertencer à categoria de experiências transmitidas espontaneamente conforme motivações internas da criança, a brincadeira tradicional infantil garante a presença do lúdico, da situação imaginária.
A tradição e universalidade das brincadeiras assentam-se no fato de que povos distintos e antigos, como os da Grécia e do Oriente, brincaram de amarelinha, empinar papagaios, jogar pedrinhas e até hoje as crianças o fazem quase da mesma forma em algumas culturas. Tais brincadeiras foram transmitidas de geração para geração através de conhecimento empíricos e permanecem na memória infantil.
Esse tipo de brincadeira é que receio estar diminuindo em grande velocidade e que essa mudança que a tecnologia vem impondo ao mundo venha a destruir séculos de histórias, memórias e culturas de lugares sem pedir licença. Não estou aqui condenando as TVs, vídeo-games e computadores, apenas acho que os pais devem estar mais atentos aos debates sobre essas novas linguagens. Dosar o uso do computador, local, distância do aparelho, postura da criança e estabelecer regras e horários de uso fará com que a criança tenha um equilíbrio entre essas e outras atividades.

Acredito que: “A criança tem uma vida própria: a sua vida. Essa vida, ela tem o direito de vivê-la, e vivê-la FELIZ.” (Claparède) E para que ela tenha uma vida completa, especialmente uma infância completa, tem que sair de casa, brincar em espaços abertos, conhecer outras crianças, fazer novas amizades....porque essas coisas, mais que prepará-la para o vestibular ou para o mercado de trabalho, irão prepará-la para a vida.
Bibliografia              

Livros:

- LOPES, Maria da glória. “Jogos na educação: criar, fazer, jogar” Cortez Editora.
- KISHIMOTO, Tizuko Morchida. “Jogos Infântis - O jogo, a criança e a educação” - STEIMBERG, R. Schirley e KINCHELOE,L. Joe (tradução de George Eduardo Japiassú Brício “Cultura Infantil, a construção corporativa da infância" Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.


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